Mulheres que desafiaram as regras para cruzar a linha de chegada na corrida

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Neste Dia Internacional da Mulher, a Benevita Wellness Assessoria Esportiva relembra a história de mulheres pioneiras que lutaram pelo espaço feminino nas provas de corrida, abrindo caminho para a igualdade de gênero neste esporte.

A PRIMEIRA MULHER A PARTICIPAR DA MARATONA DE BOSTON

Roberta Gibb quase na linha de chegadana Maratona de Boston em 1966.
Crédito: Fred Kaplan / Sports Illustrated, via Getty Images

A Maratona de Boston é a mais tradicional e famosa corrida de longa distância com 42,195 km percorridos entre cidades de Hopkinton e Boston, no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Apesar de hoje ser uma prova disputada por homens e mulheres, infelizmente, nem sempre foi assim.

Criada em 1897, é a segunda maratona mais antiga do mundo, perdendo o posto apenas para a prova dos Jogos Olímpicos de Atenas, em 1896. Mas pasmem: até o ano de 1972, mulheres não eram aceitas, com alegações absurdas das mais diversas. Para a organização, formada apenas por homens, o sexo feminino não tinha força física para aguentar o percurso e a dita “sabedoria popular” da época, sem base científica alguma, acreditava que correr era perigoso para a fertilidade.

Ao longo de sua história, somente homens cruzaram a linha de chegada até 1965. Mas no ano seguinte, Roberta Louise “Bobbi” Gibb decidiu desafiar todas as regras e correr mesmo com a proibição. Ela cresceu em Boston e, como sempre gostou de correr, participar da competição era um de seus sonhos. Depois de ter sua inscrição negada, ela percebeu que havia um motivo muito maior do que o seu próprio desafio pessoal para correr: provar que as mulheres eram sim capazes de tal feito.

Com tênis masculino (naquela época não havia tênis de corrida para as mulheres, chocante, né?), bermuda do irmão e moletom com capuz azul para esconder o rabo de cavalo, ela se escondeu nos arbustos perto da linha de largada e entrou na corrida depois que metade dos participantes já tinham avançado.

Ao perceberem que havia uma mulher correndo, muitos homens na pista a apoiaram. Quando faltavam apenas 2 milhas, seus pés começaram a sangrar e formar bolhas, mas Gibb seguiu em frente, pois sabia que sua atitude poderia mudar o futuro da corrida para as mulheres ao redor do mundo. Ela chegou à frente de quase 2/3 dos corredores, sendo cumprimentada pelo próprio governador do estado de Massachusetts, John Volpe. 

A participação de Gibb fez com que houvesse uma pressão por mudança nas regras para permitir mulheres na maratona, porém nada foi feito. Gibb não teve sua participação reconhecida oficialmente. Ela também correu nos dois anos seguintes, mas, de novo, sem número de inscrição.

A sua insistência em participar, mesmo sem o aval da organização da Maratona, mostrou o quanto ela estava disposta a lutar pelo espaço da mulher na sociedade. Hoje, aos 74 anos, Bobbi Gibb ela ainda é atlética e corre uma hora por dia.

A PRIMEIRA MULHER A CORRER COM UM NÚMERO DE INSCRIÇÃO

Inspirada no exemplo de Gibb, em 1967 mais uma mulher marcou seu nome na história da corrida. A estudante de jornalismo Kathrine Switzer e seu amigo e treinador Arnie leram as regras da corrida e descobriram que não havia nenhum norma sobre gênero no documento. Ela, então, resolveu se registrar apenas com suas iniciais, K.V. Switzer, como costumava assinar seus trabalhos na faculdade. Depois de pagar a taxa, a papelada foi enviada por correio e aceita pela organização. Para a surpresa de todos, no dia da corrida, ela apareceu com seu número de inscrição colado em seu moletom no dia da prova.

O início da corrida foi tranquilo, pois com a multidão de participantes, ninguém da organização percebeu a presença da mulher. Muitos competidores ao notarem a participação de Gibb, ficaram animados e a incentivaram. Porém, logo após a largada, a corredora ouviu alguém gritando. Ao virar a cabeça para trás ela viu Jock Semple, um dos organizadores da Maratona, se aproximando. Ele agarrou seu ombro, tentando segurá-la para parar, e gritava para que ela saísse de sua corrida. Apesar do caos, Switzer continuou correndo.

“Eu nunca tinha sentido tamanha vergonha e medo. Nunca tinha sido agredida por um homem, nem espancada quando era criança e a força física e a agilidade do ataque me surpreenderam. Eu me senti impossibilitada de fugir, como se estivesse enraizada lá, e de fato eu estava, porque o homem, esse tal de Jock, me segurava pela camiseta”, relata. Então, ela viu, de relance, alguém arremessar Jock pelo ar. Conta ela que ele “aterrissou” na lateral da estrada, como uma “pilha de roupas amassadas”.  Aí sim, Kathrine entrou em pânico, achando que ele tinha matado seu agressor. “Meu Deus, nós vamos todos para a cadeia”, pensou. Seu treinador estava ao seu lado e gritou para que ela corresse como nunca. Em um surto de adrenalina, ela acelerou passando pelo carro de imprensa.  Jornalistas e fotógrafos começaram a persegui-la, gritando e chamando sua atenção. “Eu estava muito triste, aquilo era horrível, tinha ido muito longe”. Por alguns instantes, ela pensou se deveria desistir, porque não queria “estragar o prestígio da corrida”. Mas então, ideias começaram a borbulhar em sua mente:

“Eu sabia que, se desistisse, ninguém iria um dia acreditar que uma mulher tem a capacidade de correr mais de 26 milhas. Se eu desistisse, todos diriam que foi apenas um golpe publicitário.  Se eu desistisse, isso prejudicaria a posição das mulheres no esporte, ao invés de impulsioná-la. Se eu desistisse, eu nunca correria a Maratona. Se eu desistisse, Jock Semple e todos aqueles como ele ganhariam. Meu medo e humilhação se transformaram em raiva”. 

A pressão dos jornalistas, perguntando em que momento ela desistiria, deixou Kathrine ainda mais furiosa. Eles corriam cada vez mais ao seu lado, a postos para não perderem o momento em que pudesse parar de correr, e isso a fez ficar ainda mais determinada a continuar correndo.

Para o alívio dela, Jock Semple estava vivo. Ele surgiu no ônibus da organização, gritando no meio de todos: “Você está encrencada!”.  Todos os homens ao redor da corredora começaram a gritar obscenidades e a mostrar o dedo do meio para Semple em defesa da jovem, e Kathrine só conseguiu abaixar a cabeça e continuar a correr. Depois de um tempo o ônibus seguiu em frente, assim como o carro da imprensa.

Depois de mais de quatro horas, Kathrine conseguiu terminar a corrida com uma das mãos quase congeladas (na confusão, uma de suas luvas foi arrancada e estava nevando no dia), muitas bolhas e sangue no pé. No entanto, seu objetivo fora conquistado. Era, oficialmente, a primeira mulher com um número de inscrição a passar pela linha de chegada da Maratona de Boston.

ENFIM, A CONQUISTA PELO TÃO SONHADO DIREITO DE PARTICIPAR DA MARATONA

Sara Berman e as corredoras em 1972, ano em que as mulheres foram oficialmente autorizadas a participar. Crédito: Boston Globe Archives

De 1969 a 1971, outra corredora participou da prova, vencendo a Maratona de Boston, mas, infelizmente, ainda sem o devido reconhecimento: Sara Mae Berman.

A esportista teve incentivo do seu marido, o também corredor Larry Berman, para se tornar uma das pioneiras na corrida. Certa vez, durante uma entrevista para o site Hcam, Berman contou sobre a camaradagem que existia entre as corredoras mulheres e como elas se apoiavam. “Nós só queríamos treinar bem o suficiente para terminar [a maratona]”, explicou, em referência a crença geral que existia de que mulheres não seriam capazes de correr longas distâncias. “Nós tínhamos uma relação boa uma com as outras, não tínhamos tempo para ciúmes, estávamos muito ocupadas treinando, cuidando de nossas famílias e carreiras e lutando pelo reconhecimento da Amateur Athletic Union (AAU)”, revelou.

O reconhecimento pelo esforço das corredoras pioneiras só aconteceu 1972, quando a organização da Maratona de Boston criou uma divisão da corrida voltada para as mulheres. Na primeira competição com ambos os sexos, oito mulheres competiram. Em 2014, cerca de 45% dos participantes eram do sexo feminino (mais de 16 mil mulheres).

As vitórias extraoficiais de Bobbi Gibb e Sara Mae Berman só foram devidamente reconhecidas em 1996.

Antes tarde do que nunca!

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